#24
- Não o quero por causa das mãos dadas, dos lugares acompanhados ou do regresso de pronomes possessivos plurais nos meus lábios. Preciso dele para poder respirar de novo, a golfadas amplas e vastas, para poder açambarcar a vida.
- E o que te faz pensar que, com ele, açambarcarás a vida?
- Quase nada. Por isso, todos os sonhos são permitidos.
#23
- E passados estes anos, sabes finalmente onde estás?
- Não descobri onde estou mas agora sei da inutilidade de se saber localizado entre limites imaginários, barreiras reais, desejos frustados e cumpridos, presa a certezas impeditivas. Sei que não acredito em descrenças. Nem em faltas de fé irremediavelmente causadas por mais um sonho que se despedaçou ao cair da prateleira dos bibelôs guardados a sete chaves, para ninguém ver, ninguém sentir vulnerabilidades que me fazem corar quando me acho descoberta.
- E isto ajuda-te a andar para a frente?
- Não. Ajuda-me a voar.
#22
- Porque voltaste?
- Porque tu voltaste. Eu que te achava para sempre desaparecido, cuja sensação me era já esquecida.
- E porquê aqui?
- Os anos não melhoraram nada. As minhas palavras continuam a embater silenciosas contra o meu peito, sofrendo por antecipaçaão o efeito que causariam se saíssem desenfreadas.
Aqui, posso soltá-las e deixá-las livres de existirem sem o peso de terem sido pronunciadas.